Educação: Lya Luft – A crise que estamos esquecendo

A crise que estamos esquecendo

"Todos os indivíduos, não importa a conta bancária, profissão ou cor dos olhos, podem reverter esta outra crise: a do desrespeito geral que provoca violência física ou grosseria verbal em casa, no trabalho, no trânsito"

O tema do momento é a crise financeira global. Eu aqui falo de outra, que atinge a todos nós, mas especialmente jovens e crianças: a violência contra professores e a grosseria no convívio em casa. Duas pontas da nossa sociedade se unem para produzir isso: falta de autoridade amorosa dos pais (e professores) e péssimo exemplo de autoridades e figuras públicas.

Pais não sabem como resolver a má-criação dos pequenos e a insolência dos maiores. Crianças xingam os adultos, chutam a babá, a psicóloga, a pediatra. Adolescentes chegam de tromba junto do carro em que os aguardam pai ou mãe: entram sem olhar aquele que nem vira o rosto para eles. Cumprimento, sorriso, beijo? Nem pensar. Como será esse convívio na intimidade? Como funciona a comunicação entre pais e filhos?

Nunca será idílica, isso é normal: crescer é também contestar. Mas poderíamos mudar as regras desse jogo: junto com afeto, deveriam vir regras, punições e recompensas.
Que tal um pouco de carinho e respeito, de parte a parte? Para serem respeitados, pai e mãe devem impor alguma autoridade, fundamento da segurança dos filhos neste mundo difícil, marcando seus futuros relacionamentos pessoais e profissionais. Mal-amados, mal-ensinados, jovens abrem caminho às cotoveladas e aos pontapés.

Mal pagos e pouco valorizados, professores se encolhem, permitindo abusos inimagináveis alguns anos atrás. Uma adolescente empurra a professora, que bate a cabeça na parede e sofre uma concussão. Um menininho chama a professora de "vadia", em aula. Professores levam xingações de pais e alunos, além de agressões físicas, cuspidas, facadas, empurrões. Cresce o número de mestres que desistem da profissão: pudera. Em escolas e universidades, estudantes falam alto, usam o celular, entram e saem da sala enquanto alguém trabalha para o bem desses que o tratam como um funcionário subalterno. Onde aprenderam isso, se não, em primeira instância, em casa?

O que aconteceu conosco? Que trogloditas somos - e produzimos -, que maltrapilhos
emocionais estamos nos tornando, como preparamos a nova geração para a vida real, que não é benevolente nem dobra sua espinha aos nossos gritos? Obviamente não é assim
por toda parte, nem os pais e mestres são responsáveis por tudo isso, mas é urgente parar para pensar.

Na outra ponta, temos o espetáculo deprimente dos escândalos públicos e da impunidade reinante. Um Senado que não tem lugar para seus milhares de funcionários usarem computador ao mesmo tempo, e nem sabia quantos diretores tinha: 180 ou trinta? Autoridades que incitam ao preconceito racial e ao ódio de classes? Governos bons são caluniados, os piores são prestigiados. Não cedemos ao adversário nem o bem que
ele faz: que importa o bem, se queremos o poder? Guerra civil nas ruas, escolas e hospitais precários, instituições moralmente falidas, famílias desorientadas, moradias
sub-humanas, prisões onde não criaríamos porcos. Que profunda e triste impressão, sobretudo nos mais simples e desinformados e naqueles que ainda estão em formação.
Jovens e adultos reagem a isso com agressividade ou alienação em todos os níveis de relacionamento. O tema "violência em casa e na escola" começa a ser tratado em
congressos, seminários, entre psicólogos e educadores. Não vi ainda ações eficazes.

Sem moralismo (diferente de moralidade) nem discursos pomposos ou populistas, pode-se mudar uma situação que se alastra - ou vamos adoecer disso que nos enoja. Quase todos
os países foram responsáveis pela gravíssima crise financeira mundial. Todos os indivíduos, não importa aconta bancária, profissão ou cor dos olhos, podem reverter
esta outra crise: a do desrespeito geral que provoca violência física ou grosseria verbal em casa, no trabalho, no trânsito. Cada um de nós pode escolher entre ignorar e
transformar. Melhor promover a sério e urgentemente uma nova moralidade, ou fingimos nada ver, e nos abancamos em definitivo na pocilga.

Lya Luft
Fonte: Veja de 08 de abril de 2009.

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