Educação: Morin - Cultura, Sociedade e Agressividade

Os gregos diagnosticaram a disposição humana para a hubris, termos que significa desmedida demente.

A cultura e a sociedade proíbem as pulsões destrutivas da hubris, não apenas por meio de punições da lei, mas também introduzindo, desde a infância, no espírito dos indivíduos, normas e interdições. Além disso, a agressividade é inibida por regras de cortesia, que são ritos de pacificação, saudações, cumprimentos, palavras anódinas. Contudo, uma atitude agressiva ou uma humilhação despertam a nossa agressividade, com freqüência, o amor frustrado pode transformar-se em ódio. Uma avalancha de desejo ou de ódio pode romper controles e regulações.(p.118)

O desprezo e a rejeição legitimam-se empurrando o desprezado para uma condição subumana; o ódio acredita-se racional justificando-se pela idéia de castigo, de eliminação de um ser reputado malfeitor; exacerba-se na alegria de fazer sofrer, torturar e matar. (p. 118)

A hubris desencadeia-se quando há, simultaneamente, ausência de três fatores de regulação: o do mundo exterior, em que o princípio de realidade resiste ao princípio do desejo; o propriamente mental da racionalidade; o social e cultural, que institui barreiras e tabus contra a agressividade e a violência. Ora, cada um desses controles apresenta deficiências. A demência pode quebrar a resistência do mundo exterior impondo-lhe destruição e massacres. A racionalidade pode tornar-se instrumento a serviço da pulsão destrutiva. A cultura pode se colocar a serviço da guerra e das repressões em massa. A partir daí, na ruptura das regulações, a hubris desencadeia-se. Culmina em barbárie extrema na conjugação entre a invasão das forças pulsionais dementes e a racionalização doutrinária, com a sua execução pelo poder armado de um Estado. (p. 118 e 119)

As multidões e as manifestações podem suscitar a demência coletiva que são os linchamentos e o pânico. A turbulência da festa e as exaltações da orgia podem desembocar em violências destrutivas. Podemos nos perguntar se, assim como uma ambição individual desmedida, a ambição da civilização ocidental de conquistar o planeta e de impor-lhe a sua lei não seria uma forma extrema de hubris.

Os germes de todas essas loucuras estão escondidos em cada indivíduo, em cada sociedade; o que nos diferencia dos outros é o maior ou menor controle, sublimação, dissimulação, transformação de nossa própria loucura.

Por outro lado, a racionalidade transforma-se em seu contrário quando degenera em racionalização. A abstração, a perda do contexto, o fechamento de uma teoria em doutrina blindada, a transformação da idéia em bandeira, tudo isso conduz à racionalização ideológica delirante. O desconhecimento dos limites da lógica e da própria razão leva a formas frias de loucura: a loucura do excesso de coerência. A racionalização é a forma de delírio oposta ao delírio da incoerência, mas a mais difícil de identificar. Assim, homo demasiado sapiens torna-se, ipso facto, homo demens. (p.119)

A racionalidade é apenas uma instância, concorrente e antagônica a outras instâncias de uma trilogia inseparável. Pode ser dominada, submersa, ou mesmo sujeitada, pela afetividade ou pela pulsão. A agressividade delirante pode servir-se da lógica e utilizar a racionalidade técnica para organizar e justificar seus empreendimentos. (p.120)


Edgar Morin, O método 5: a humanidade da humanidade – a identidade humana. Trad. Juremir Machado da Silva.- Porto Alegre: Sulina, 2003. 2ª edição

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