Mitologia - Cupido e Psiquê

Esse texto é uma coletânea do que achei interessante em vários autores.

O mito de Eros e Psiquê é uma história contada no romance "O Asno de Ouro" , de Lúcio Apuleio, do sec. II d.C.. Não é um mito grego em sua forma original, pois ocorre em um local imaginário, com personagens não específicos. É uma história, sem lugares ou pessoas definidos, embora nomeie deuses gregos.

Eros, do grego éros, significa, segundo Junito de Souza Brandão, desejo incoercível (irreprimível) dos sentidos, e parece derivar do verbo érasthai, que, por sua vez, quer dizer estar inflamado de amor.

Hesíodo, em sua Teogonia, descreve Eros como um deus primordial, tendo nascido do Caos, juntamente com Géia e Tártaro. Já o romano Cupido (que parece derivar do verbo latino cupere, cujo significado é desejar ardentemente, ter desejos instintivos ou sensuais, cobiçar), ao que tudo indica, absorveu o mito do grego Eros.

Eros/Cupido, que na maioria das vezes aparece como filho de Afrodite/Vênus, constituía-se num instrumento de vingança e diversão da mesma.

Psiquê (do grego psykhé, que significa sopro, princípio vital) era a parte imaterial da vida que abandona o homem em sua morte. A patir do sec. V a.C., passou a significar o compromisso amoroso no relacionamento humano, em oposição à promiscuidade de Afrodite, deusa da sexualidade primitiva dos homens e dos animais.

Havia em certa cidade um rei e uma rainha; eles tinham três filhas de notável beleza" (Apuleio 4, 28). A mais jovem, Psiquê, era tão formosa que o povo da cidade e até os estrangeiros começaram a adorá-la como se fosse a própria encarnação de Afrodite.

A filha de Urano, ao ver seus templos e santuários se esvaziarem, decidiu vingar-se da pobre mortal. Chamando seu filho Eros, induziu-o a acertar Psiquê com uma de suas famosas flechas, tornando-a perdidamente apaixonada "pelo mais abjeto dos homens".

Eros preparou-se para obedecer às ordens maternas. Havia duas fontes no Jardim da Deusa, uma de água doce, outra de água amarga. Eros encheu dois vasos de âmbar, cada um com água de uma das fontes e dirigiu-se ao quarto de Psiquê que dormia. Derramou, então, algumas gotas da água da fonte amarga sobre os lábios da jovem, depois, tocou-a de lado com a ponta de sua seta. Psiquê acordou e abriu os olhos diante de Eros, que perturbado, acabou ferindo-se com sua própria seta e assim, se apaixonando pela moça a quem deveria destruir por ordem da mãe.

Desde deste dia, nenhum rei, príncipe ou plebeu apresentou-se mais para pedi-la em casamento. Suas duas irmãs mais velhas casaram-se, mas Psiquê, confinada em seus aposentos, deplorava a solidão, irritada com sua beleza, que agora não mais despertava o amor.

Seu pai, temendo intervenção divina, foi consultar o oráculo do Deus Apolo em Delfos para saber o que acontecia. A resposta foi categórica: a filha estava destinada a desposar um "monstro cruel como uma serpente, que voa pelos ares e não poupava ninguém" . Segundo a precrição do oráculo, a menina deveria ser levada ao cume de escarpadas montanhas para que encontrasse a sua sorte.

Entristecido, o rei obedeceu ao comando divino. Quando lá foi deixada, a jovem tremia de medo e apreensão e o gentil vento sul, Zéfiro, com suas brisas suaves fez com que ela adormecesse. Quando acordou na manhã seguinte, viu-se em um palácio de grandiosidade inimaginável. Ao acordar, Psiquê ficou extasiada diante de tanta beleza e suntuosidade e logo descobriu que seus desejos eram imediatamente satisfeitos. Tudo o que queria ou pensasse surgia à sua frente, trazido por mãos invisíveis.

À noite, Eros apareceu e, unindo-se à linda princesa, tornou-a sua mulher. Antes do nascer do sol, levantou-se e desapareceu nos céus, depois de fazê-la prometer que jamais procuraria ver o seu rosto.

Essa cena, contudo, foi se repetindo todos os dias, e Psiquê acabou por se acostumar com a nova rotina. As notícias do seu desaparecimento, porém, acabaram por ser difundidas e, assim como sua família, Psiquê sentia saudades. Um belo dia, pediu ao seu misterioso marido para ver as irmãs. O deus, do alto da sua onisciência, advertiu-a dos perigos, porém, apaixonado, não resistiu às súplicas, feitas entre beijos e carícias.

Conduzidas por Zéfiro, as irmãs, ao chegarem à esplêndida morada da caçula, corroeram-se de inveja. Ao descobrirem que Psiquê não sabia quem era na realidade o marido, insinuaram que o mesmo deveria ser uma terrível serpente, o tal monstro do rochedo, que mais cedo ou mais tarde acabaria por devorá-la.

Aconselhada a desmascarar a fera, a jovem, completamente confusa, resolveu seguir as recomendações que lhe foram feitas. À noite, depois de entregar-se ao esposo, que em seguida adormeceu, não perdeu tempo. De posse de um punhal e de um lampião, aproximou-se sorrateiramente. Quando iluminou seu rosto, não pôde conter o susto, pois diante de si encontrava-se a mais bela visão que jamais havia contemplado. Ao olhar para o lado, viu a aljava e as setas, e logo compreendeu quem era o seu misterioso marido. Emocionada, acabou ferindo-se em uma de suas flechas, o que fez com que uma gota de óleo caísse no ombro do deus, acordando-o imediatamente. O Amor está ferido.Decepcionado e magoado pela quebra da promessa, Eros sai voando, desaparecendo entre as núvens, enquanto grita repetidamente: O amor não sobrevive sem confiança!

Como que por encanto, tudo à sua volta desapareceu e a jovem viu-se novamente no rochedo, agora completamente apaixonada e grávida. Pensa primeiro em morrer, pois nada mais tem sentido na vida para ela, depois da experiência luminosas dos encontros com Eros. Psiquê se desestruturou a ponto de desejar a morte, mas as águas do rio da morte não a aceitaram e a transportaram de volta para a margem. Consolada e aconselhada por Pã, Psiquê, decidindo recuperar o amado, saiu procurando-o de cidade em cidade.

Os acontecimentos então chegaram aos ouvidos de Afrodite, que, completamente louca de ódio, foi ter com o filho (que sofria com a dor produzida pela queimadura), repreendendo-o com palavras severas e manipulativas, dignas de uma Grande Mãe devoradora.

Enquanto isso, Psiquê pede ajuda aos deuses, em todos os templos que pode chegar. Chega a Deméter, a grande mãe, mas essa se recusa a atendê-la. Pede em seguida ajuda a Hera, a deusa do casamento, mas essa também se recusa (Psiquê ainda não está pronta para o casamento). A individuação de Psiquê se dará pela divindade que a quer cativa: Afrodite a deusa do amor. Sendo assim, Psiquê vai em busca de sua senhora e se entrega submissa para que se cumpra seu destino. " Arremessa-se aos pés da deusa chorando copiosamente, molhando suas sandálias, varrendo o chão com os cabelos. Afrodite, furiosa duas vezes, uma por ciúme de Ero, outra por ver uma mortal desafiando os limites a ela impostos, chama as suas duas criadas, Inquietação e Tristeza, e intrega-lhes Psiquê para que estas a torturem. Em seguida impõe-lhe diversas tarefas, com a promessa que após seu correto cumprimento, lhe permitiria reencontrar-se com Eros.

Afrodite encaminha Psiquê até uma sala e mostra-lhe um monte enorme de sementes misturadas: milho, cevada, papoula, ervilha e feijão. Diz então, que ela deve separar cada espécie de semente em um monte em separado até o anoitecer. A tarefa parece impossível, até que uma grande quantidade de despretenciosas formigas vêm em seu auxílio, colocando cada espécie, grão por grão, em seu monte próprio.

Dessa primeira tarefa Psiquê adquire a HABILIDADE DO DISCERNIMENTO, aprendendo a discriminar, separar. De igual forma, quando devemos tomar uma importante decisão, em primeiro lugar, devemos classificar uma miscelânea de sentimentos conflituosos. O esclarecimento pode vir do trabalho consciente, mediante uma avaliação, que determinará a prioridade dos elementos envolvidos na questão. Por exemplo, diante de incertezas, precisamos distinguir quais são legitimas e quais são frutos da nossa insegurança. Diante de muitas tarefas, precisamos distinguir quais são as prioritárias. Diante da necessidade de uma decisão, precisamos distinguir o que é pertinente do que não é. Para classificar sentimentos precisamos analisá-os e não nos deixar levar por eles. Um trabalho manual pode nessas horas de desespero e aflição, ser o calmante organizador no mundo concreto. Entretanto, ela, confusa e entorpecida, sem forças para executá-lo, o faz pelo serviço autônomo do inconsciente, representado pelas formigas. Esses insetos são análogos a um processo intuitivo.

Mais difícil era, no entanto, a segunda missão. Psiquê deveria trazer alguns flocos de lã pertencentes a carneiros violentos e carnívoros, que viviam próximos dali, e cujas dentadas impregnavam a vítima com um poderoso e letal veneno. A bela menina, completamente desanimada, já tinha resolvido atirar-se no regato que cortava a região dos terríveis ovinos, quando ouviu vozes. Eram os caniços das margens, dizendo que ela deveria retornar à tarde, depois que os animais houvessem mitigado a sede. Os flocos de lã, então, estariam lá, presos na vegetação.

As ferozes ovelhas representavam a agressividade contida, primitiva e inconsciente. Psiquê tem que entrar em contato com esse aspecto da agressividade instintiva, sem ser destruída por ela. A cana verde representa um modo masculino, fálico, mas ao mesmo tempo feminino e flexível de lidar com a agressividade. Esperar uma boa hora, não se expor com os ânimos exaltados. E assim ela cumpre a segunda tarefa, que lhe dá a HABILIDADE DA CRIATIVIDADE. Assim, Psiquê aprende a examinar situações e a perceber oportunidades mesmo naquilo que aparenta ser díficil. Ela percebe que a melhor saída nem sempre é o confronto, ou o que parece óbvio. Com criatividade novas alternativas se tornam visíveis.

A terceira tarefa era encher um recipiente de cristal com as águas escuras da fonte que alimetava os rios infernais de Cócito e Estige. A vida, que é a passagem para a morte, a adverte: sai daqui; o que fazes, presta atenção, acautela-te, foge, tu morrerás" . "Petrificada de horror, Psiquê já está com seus sentidos amortecidos; fica inteiramente inerte, sem sequer poder chorar, o que seria um consolo. Mas, aos olhos da criação, não escapou o tormento dessa alma inocente, pois a águia predileta de Zeus, aquele que tudo vê, resolveu socorrê-la." Quando fazemos o que podemos, os deuses fazem o que não podemos - diz um ditado - e assim, Psiquê é ajudada pela divindade que tudo vê. Ao fim da terceira tarefa, Psiquê adquire a HABILIDADE DA VISÃO SISTÊMICA. Para chegar perto da água, Psiquê precisa pisar no musgo, portanto ela pode facilmente escorregar e cair. Assim, a tarefa de encher a jarra também parece impossível. Mas eis que a águia vem em sua ajuda. Ao observar o vôo da águia, Psiquê depara com o topo da cascata, onde não há musgos e é, portanto seguro para encher a jarra. A águia simboliza a habilidade de ver a paisagem de uma perspectiva distante para poder escolher o ponto mais adequado pra a ação. Assim como a águia que no seu vôo vê o todo, temos que ver o todo de uma situação antes de agir.

Metaforicamente, esse regato no qual Psiquê deve encher sua jarra, representa a corrente circular da vida. A falta de cautela e precipitação faz com que aconteçam desastres irreparáveis. A ânsia pela vida pode nos levar a morte.

Afrodite, incrédula diante do sucesso da jovem, encaminhou-a para a sua derradeira e fatal tarefa. Dando uma caixinha à amante de Eros, a deusa disse que ela deveria descer ao Hades e pedir à Perséfone um pouco do creme da beleza imortal e em seguida retornar. Aí Psiquê compreendeu que finalmente chegara o seu fim. Resignada, subiu em uma torre com o objetivo de atirar-se do seu topo, chegando mais rápido ao seu destino. A torre então, para surpresa da jovem, indicou-lhe a melhor forma de cumprir a tarefa. Ela deveria se dirigir ao cabo Tênaro, no Peloponeso, um dos caminhos que levam ao reino de Plutão, com dois óbolos na boca e um pão de mel em cada mão. Os óbolos eram a paga das viagens de ida e volta na barca de Caronte, e os pães de mel para entreter Cérbero, o guardião do Hades, sendo um para entrar e o outro para sair. Uma vez nos infernos, Psiquê evitaria aceitar o banquete oferecido pela rainha das trevas, contentando-se apenas com um pedaço de pão preto. De posse da caixinha, não deveria abri-la em hipótese alguma. A Torre representa uma construção humana na direção da divindade; é um sistema de idéias, de pensamentos religiosos, de ritos e preceitos que nos aproximam do divino. É a sabedoria humana acumulada em prol do bem maior da humanidade. Entre as várias recomendações, também é dito para que ela não se distraia e não ajude ninguém, por mais piedade que ela venha a sentir. A fraqueza vem do fato de sentir pena indevida, sempre que solicitada. Nessa última tarefa, Psiquê adquire a HABILIDADE DO FOCO. Além do medo do mundo subterrâneo, ela sabe que no caminho encontrará diversas pessoas que lhe pediram ajuda, tentarão dissuadi-la de realizar a tarefa ou simplesmente dificultarão seu trabalho. O grande desafio dela é estabelecer um objetivo e manter-se fiel a ele. Algumas vezes Psiquê diz não às pessoas que a interpelam, outras vezes as atende, mas nunca deixa de priorizar suas metas. Assim, ela chega ao mundo subterrâneo, recebe a caixa da deusa e cumpre, portanto, sua última tarefa.

Por meio da realização das quatro tarefas, Psiquê desenvolve capacidades e força. Ela agora está preparada para realizar seu sonho, que é encontra-se com Eros. O mais importante é que Psiquê, embora ainda sendo mortal, adquiriu discernimento, criatividade, visão sistêmica e foco, e sabe que está capacitada para seguir adiante. Psiquê cumpre à risca todas as recomendações, e ia saindo vitoriosa, não fosse seu lado humano. Ela se perde então pela vaidade e abre a caixa da poção da beleza imortal, que é a própria morte. Psiquê precisa aprender que o que eterniza e imortaliza a beleza é a morte, pois a vida traz inexoravelmente o envelhecimento e retira a beleza externa.

Psiquê cai no sono e isso mobiliza Eros, que já estava recuperado e cheio de saudades. É difícil manter o amor aprisionado e a possibilidade de perder psique para sempre faz com que se liberte da influencia materna.

Assim, com a permissão do senhor do Olimpo, foi ao encontro da amada, salvando-a e conduzindo-a à mansão dos deuses. Lá Psiquê tornou-se imortal, consumindo o néctar e a ambrosia, e a união dos dois enamorados foi abençoada por todos os presentes, inclusive por Afrodite, que convencida por Zeus, resolveu esquecer tudo. Tempos depois nasceu uma linda menina que se chamou Volúpia (que significa prazer e bem-aventurança). E assim Eros e Psiquê viveram felizes para sempre.

Eros, apesar de ser o mais poderoso deus, estava sob a aparência de um jovem rapaz, ainda longe de ser um homem maduro. Psiquê, por sua vez, "a que nasceu de uma gota de orvalho", era tão frágil, como inocente e infantil. Ambos teriam assim permanecido, não fosse o choque da Luz da Consciência, ativado pela desconfiança e medo. Essa revelação trouxe tanto a sombra da separação, do abandono e da desolação, quanto a possibilidade real de individuação pelo amor, para o amor e por amor.

O mito aborda o desenvolvimento psíquico do feminino. O ponto culminante, é a última tarefa, que constitui-se numa morte simbólica, onde a velha personalidade infantil deve dar lugar à nova, agora adulta. A união definitiva de Psiquê com Eros indica que houve uma verdadeira integração a nível interior.

Esse mito traz uma grande e importante alteração na forma de amar. Antes de Psiquê, ou seja, da alma se relacionar com o amor, esse reino pertencia somente a Afrodite, que propiciava as uniões pelo desejo físico e pela necessidade de procriação. Psiquê representa o amor pelo amor.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Psiqu%C3%AA

http://www.sca.org.br/artigos/artigos.htm

http://www.lendo.org/o-asno-de-ouro-conto-de-amor-e-psique/

http://www.rosanevolpatto.trd.br/psique1.html

http://greciantiga.org/mit/mit11-11.asp

http://confissoesdabruxa.blogs.sapo.pt/arquivo/044859.html

http://www.oboulo.com/a-simbologia-em-eros-e-psique-19652.html

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